sexta-feira, 24 de julho de 2009

Maria guarda no coração os acontecimentos e procura descobrir o seu sentido.

A revista Isto É publicou um artigo sobre a prática da meditação, mostrando sua utilidade para o corpo, a mente e o espírito. Apresentam-se várias correntes de meditação, ligadas a diferentes tradições religiosas, com testemunhos de pessoas. Chamou-me a atenção que não havia nenhuma referência à meditação cristã. E temos grandes místicos que, não somente experimentaram a meditação, mas também deixaram orientações e métodos. Basta lembrar, por exemplo, o caminho de purificação dos sentidos, em São João da Cruz e os Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Sem falar nos belíssimos refrões atuais da comunidade de Taizé, que ajudam a pacificar a alma e entrar em sintonia com Deus.
Ao olhar as origens do cristianismo, Lucas nos apresenta uma pessoa inspiradora de meditação: Maria. Por duas vezes, diz que Maria guarda no coração os acontecimentos e procura descobrir o seu sentido. Na primeira vez, depois do nascimento de Jesus (Lc 2,19). Ela está contente e surpresa, como toda jovem mãe. Deve ter olhado seu bebê com carinho, enquanto o amamentava. O menino Jesus está envolvido em panos e deitado no cocho. Então, eles recebem a visita dos pastores. Quanta coisa para pensar, para meditar, para descobrir o sentido: o que vai ser desse menino, o que lhe espera? Como educá-lo bem, de que maneira amá-lo?
Na segunda vez, o menino está crescido. É adolescente, um rapazinho com seus doze anos. Curioso, cheio de iniciativa, ousado, Jesus se encontra no templo, conversando com os doutores. Ouve e questiona. Já antecipa, com esse gesto, o que vai fazer bem mais tarde. Solta uma frase que Maria e José não compreendem: "Vocês não sabiam que devo estar na casa de meu Pai"? (cf. Lc 2,46-49). Mas Maria, mesmo sem entender, guarda no coração. Pensa, reflete, medita, procura o sentido. Guarda a lembrança dos fatos. Faz memória (Lc 2,51).
Quando o evangelista põe duas vezes essa mesma atitude, no começo e no fim da "vida familiar" de Jesus, quer dizer para nós que era algo constante em Maria. Ela cultivava um hábito. Era um jeito de ser.
Maria vive um dos traços marcantes da espiritualidade do Povo da Bíblia: a memória, a recordação. A Escritura Judaica continuamente apela para que, recordando o passado, tenhamos gravado na mente e no coração como Deus fez maravilhas pelo seu povo, o escolheu e lhe deu uma missão. (Veja, por exemplo, Deuteronômio 4,32-40). A infidelidade e o pecado começam com o esquecimento. Apaga-se da memória da mente e do coração como Deus foi misericordioso com o seu povo. Por isso, os profetas trazem de volta a consciência perdida, denunciam o esquecimento e resgatam a atualidade da aliança. Clamam com tanta insistência: "escutem!" (Is 48,1), "lembrem-se"!(Is 46,9). Recordar não é nostalgia, volta saudosa ao passado. Trata-se de recordar para acordar, tomar consciência, voltar-se para o Deus da Vida.
O povo de Israel cultua a Deus recordando sua ação criadora e libertadora e renovando o compromisso com Ele. Muitos Salmos são oração de memória, atualizados para o presente em forma de súplica, louvor ou ação de graças (Veja Sl 44, 48, 78, 80, 85, 95, 98, 105, 135, 136). A recordação tem um efeito estimulador. No momento do sofrimento, da perseguição e do fracasso, mostra que a situação atual não é definitiva. Da mesma forma como Deus atuou no passado, criando a partir do caos e libertando desde a escravidão, irá conduzir seu povo para um momento novo (cf. Is 43,5-9).
Ao desvendar a personalidade espiritual de Maria como discípula do Senhor, que ouve e medita os acontecimentos, Lucas está tocando numa característica básica da espiritualidade bíblica. Mais ainda. Em leitura contemporânea, diríamos que este traço de Maria diz respeito a todo ser humano maduro e equilibrado.
Vivemos numa sociedade onde as coisas acontecem com muita rapidez. O ritmo de vida da cidade é acelerado. Levantar cedo, comer depressa, enfrentar o tráfego pesado, trabalhar e estudar, e voltar para casa tarde fazem parte da rotina de muitas pessoas. E nem o lar é lugar de sossego. Estamos cercados de sons do rádio e do CD, e do bombardeio de imagens da televisão. Com toda essa agitação e barulho, a gente tem muita dificuldade em parar e escutar a voz interior. Então, os acontecimentos passam por nós, mas não entram. São como água de tempestade sobre a terra, que cria enxurrada e erosão, mas não penetra.
Somos parte de um mundo com pouca memória. Fatos importantes, acontecidos há um ou dois anos, desaparecem da nossa lembrança, como se fossem de um passado remoto. Some-se a isto a sobrecarga de informações, que não temos tempo de assimilar. Vivemos um fenômeno pessoal e social, intimamente relacionado. Somos uma geração que cada vez menos alimenta a consciência histórica. A mídia cria fatos novos, que facilmente desaparecem de cena, dando lugar a outros. Não há tempo para deter-se, refletir, pensar, elaborar. A sociedade moderna gera jovens e adultos que vivem como um barco sem rumo, ao sabor do vento e da maré, pois não assumem sua história individual e coletiva. São conduzidos por outros e não encontram a ocasião de tomar nas mãos o leme de sua existência. Simplesmente, não têm tempo para pensar, e nem se dispõem a criá-lo.
Ora, as pessoas e os povos somente nutrem a consciência histórica quando refletem sobre os fatos, conferindo-lhes sentido e estabelecendo relação entre eles. E uma existência equilibrada e saudável exige a criação de um espaço interior, no qual a pessoa vai conectando os acontecimentos e procurando seu sentido. Ela percebe então que sua vida não é um mero suceder de fatos, de experiências prazerosas e tristes, de vitórias e fracassos. Toma consciência dos processos, das metas a estabelecer. Avalia os passos dados. Saboreia as experiências afetivas e amorosas significativas, faz uma "memória do coração", que lhe alimenta nos momentos difíceis. Com isso, pode manter vínculos afetivos duradouros e profundos. Pois o amor necessita de memória, para não se perder diante das crises.
À medida que a pessoa exercita esta atitude de "guardar no coração" e "buscar sentido para os fatos", se transforma num aprendiz, num discípulo. Quando acontece alguma experiência forte, ela vai além do nível elementar, da satisfação ou da dor. Procura descobrir o que aprendeu com a experiência. Cada novo desafio se transforma em aprendizagem existencial. Então, ela não envelhece. Mesmo que tenha idade avançada, está sempre aprendendo com a vida. Vai conquistando a sabedoria, que é o conhecimento com sabor e sentido, o saber que alimenta e unifica a existência.
O homem e a mulher espiritualizados não se caracterizam pela quantidade de orações e devoções exteriores que praticam. Antes, são seres humanos capazes de interpretar sua história à luz de Deus e aprender com ela. Percebem os sinais de Sua presença na existência pessoal e social. Cultivam a interioridade, como capacidade de dar sentido e unidade às múltiplas experiências da vida. Depois do ruído das muitas palavras, entram no silêncio de quem reverencia o mistério de Deus. NEle repousam e DEle buscam forças. Pois a meditação avançada alcança um estágio no qual escasseiam as palavras e os raciocínios. É entrega e presença. Recordação orante, silêncio, ação de graças, adoração e louvor.
Se compreendermos assim o cultivo da meditação como uma dimensão humana indispensável, como o caminho para o auto-equilíbrio e ser aprendiz da existência, descobriremos também um novo sentido para a relação entre ação e contemplação, pastoral e espiritualidade. De um lado, colocamo-nos à disposição do Projeto de Deus, realizando ações eficazes. De outro lado, precisamos nos recolher e silenciar. Quanto mais intensa e forte nossa missão, mais necessitamos "mergulhar em Deus". Como diz uma música de Beto Guedes: "A abelha fazendo o mel, vale o tempo que não voou".
Maria nos ensina a cultivar a interioridade, a meditar. Guardar as coisas no coração, buscar sentido nos acontecimentos e preparar-se para o que vai acontecer. Ela se parece com uma abelha que recolhe o néctar de Deus na vida e o transforma em mel. Colhe, recolhe e elabora. Assim, Maria nos ensina uma das características básicas da Espiritualidade Apostólica Marista. Que ela seja nossa mestra e guia!
(Ir. Afonso Murad, marista)

Um comentário:

  1. Paz e Bem !! Galera !! Parabéns pela iniciativa... o blog tá bombando !!!

    Deixo um grande abraço para o meu amigo rodrigo !!

    e aproveito a oportunidade para pedis o seu voto:

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