quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A CRIAÇÃO DA JUVENTUDE!

Antônio Lassance

"A juventude é um fenômeno essencialmente histórico. Ela muda de lugar, de cor, de tamanho, de idade, de humor, de roupa, de linguagem. A ponto de podermos dizer que ela não existe, a não ser quando é inventada. Há sociedades, a Antropologia nos mostra, onde não existe juventude. A passagem da infância para a idade adulta é feita por um momento ritualístico que suprime qualquer consideração sobre uma época de transição. Nas sociedades clássicas greco-latinas, a juventude era considerada simplesmente como uma idade. Todavia, diferente de hoje, não tinha absolutamente nada a ver com adolescência. Muito pelo contrário. Juventus vem de juvenilitate, "idade juvenil". E a idade juvenis era precisamente demarcada entre a adulescens e a idade senior. Isto perambulava no período entre os 22 e os 40 anos. A origem mais provável de juvenis é aeoum, cujo significado etimológico é "aquele que está em plena força da idade". Não se confundia jovem com adolescente. Adulescens significa "aquele que está em crescimento". Dizia-se que uma pessoa terminava sua adolescência quando parava de crescer em altura. Este é o sentido original, ao qual se agregou a construção de um discurso sobre o adolescente e o jovem, que ganhariam suas respectivas imagens. Acreditava-se num "espírito adolescente" e num "espírito jovem". Ao adolescente: fragilidade, insegurança, imaturidade, irritação, esportividade. Ao jovem: "jovialidade", entusiasmo, disposição, mocidade, inexperiência, imprudência, idealismo, rebeldia. Na definição clássica, a juventude vinha depois da adolescência. Tanto que Juventa, a deusa romana desta idade, era invocada justamente nas cerimônias do dia em que os "mancebos" (adolescentes) trocavam as vestes simples pela toga. O jovem nascia como um ser adulto, e não adolescente. Era o cidadão em plena forma. Assim também pensava Tolstoi quando escreveu uma quadrilogia demarcada pelas idades, intituladas: INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA, JUVENTUDE e IDADE MADURA (esta última não tendo chegado a ser escrita). O que marca a passagem da juventude clássica para a moderna é a forma pela qual são inventadas. Antes, quem definia o lugar da juventude era a família e o Estado. Modernamente, quanto mais a família e o Estado consideram a juventude como uma idade, menos ela o é. Tornou-se um ator social em movimento. Reinventou a si própria.
1 Revista: Juventude.br - Ano 1 n.º 1 Dezembro/1998. I Festival Nacional da Juventude
A juventude moderna criou a si própria, contrariando a afirmação de Keniston de que a rebeldia "faz parte de um padrão no qual as gerações se repetem quase de modo idêntico".
Ela é autora e sua própria criatura. Neste momento, deixamos de falar em apenas idéias e idades e passamos a perceber uma força social destacada. Algo concreto, vivo, e não uma criação convencionada pelo costume, um produto literário ou um estado de espírito. A juventude já não é mais um lugar. É agora um sujeito de carne e osso.
Assim, é possível ousar dizer que a juventude foi um fenômeno inventado. Juventa foi criada justamente para ser um mito. Existia apenas "na cabeça" da sociedade. Era uma abstração, uma teoria, uma linha do Equador que servia para dividir hemisférios, mas sem existir de fato. Era uma projeção pela qual a sociedade criava suas explicações. Não que fosse uma mentira ou manipulação, muito menos miragem e ilusão. Era um referencial. Entende-se, deste modo, como foi possível o referencial mudar de lugar tão bruscamente ao longo dos séculos em que "juventude" passou a significar coisas bem diferentes. Esta é a chave do segredo.
Não há como separar juventude e história. Isto significa dizer que não se pode separá-la da política, da cultura, da economia e da luta de classes.
A juventude é um espaço de contradição. E quem há de negar que a contradição é justamente o signo da juventude? Como negar que há um antagonismo mesclado de classes? Ou seja, as classes não formam suas juventudes. As classes estão espalhadas em vários movimentos da juventude. É claro que há predominância de certas classes em certos movimentos. O movimento estudantil tem sido essencialmente pequeno-burguês. A origem do movimento punk é proletária. Mas a juventude não está separada em classes.
Questões como o serviço militar obrigatório, o voto aos 16 anos, a delinqüência e a responsabilidade penal, o sexo, o casamento, a maioridade e outras já foram usadas como critérios para demarcar o início da juventude, o que significa dizer que ela já mudou de lugar inúmeras vezes, mas fixando-se de modo cada vez mais confuso junto ao conceito de adolescência.
A noção de juventude passou a invadir o espaço antes reservado à adolescência. O direito à adolescência, consequentemente, foi sendo reduzido.
Hoje, ambas são praticamente consideradas como uma só coisa. Porém, no século XX, as razões militares ganharam um reforço mais decisivo e pretensamente científico: a psicologia. Coincidindo com o surgimento de uma juventude considerada problemática e até perigosa, a psicologia veio servir de auxílio para torná-la neurótica aos olhos da sociedade. A herança da puberdade e todos os traumas da adolescência são exagerados na caracterização de uma doença juvenil mais conhecida como "delinqüência". A delinqüência, em suma, era um monstro criado por psicólogos juntando a adolescência e a juventude num mesmo tubo de ensaio.
Afinal, será que os avanços na tecnologia biológica, desde a engenharia genética até a medicina de transplantes e todas as engenhocas químicas que projetam, para o próximo século, expectativas médias de vida acima dos 100 anos, não tornariam o conceito de juventude não apenas necessário como obrigatoriamente reinstalado? Não estaria o futuro desafiando-nos a repensar o lugar da juventude, curiosamente, como à maneira clássica, isto é, distinto da adolescência. Mesmo tão antiga, a idéia revolucionária de juventude

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